Nascido em Manaus/AM, no dia 9 de novembro de 1919, o
poeta Antônio Pinto de Medeiros (APM) foi um dos grandes literários brasileiros
do século XX que caiu no esquecimento. Com grande parte de sua vida, e de seu
sucesso, se desenrolando no Rio Grande do Norte, foi com sua poesia original e
seus pequenos gestos que influenciou grandes nomes, contribuiu na formação de
uma literatura poética brasileira, mas também foi deixado de escanteio nas
páginas da história.
O poeta formou-se em Direito no ano de 1950, pela Faculdade do Recife, mas logo
se mudou para o RN, onde grande parte de sua família morava. Aqui, atuou como
diretor do Departamento de Imprensa Oficial do Estado, até os anos 1960, e,
simultaneamente a isso, manteve as colunas literárias "Mirante" e
"Santo Ofício", nos extintos jornais "Diário de Natal" e
"O Poti", onde assinava sob o pseudônimo de Torquemada.
Foi em 1949 que APM publicou seu primeiro livro de poemas, “Um Poeta a Toa”,
época em que também enviou versões para veículos de comunicação a fim de ser
criticado e divulgado. Dois anos depois, em 1951, ele publica seu segundo
livro, “Rio do Vento”, obra também muito bem avaliada por periódicos de São
Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco.
A originalidade das obras acabou se destacando na época, chegando a ter
publicações na revista luso-brasileira Atlântico. Fruto disso foi a forma
inovadora que desenvolvia um gênero surrealista com temas sombrios, voltados à
melancolia e tristeza, abordando versos livres com vocabulários imagéticos e
filosóficos, e adotando um estilo único de “sonetos invertidos”.
“O soneto, para quem não sabe, é construído em 14 versos, divididos em 4
estrofes: as duas primeiras tem 4 versos, e as duas últimas tem 3. No ‘Soneto à
Toa’, ele preserva os 14 versos, mas inverte a ordem das estrofes: as duas
primeiras são em 3 versos e as últimas são em 4. Diferente do poema-piada, do
modernismo primevo, ele tinha uma seriedade no que escrevia. Até mesmo o seu poema
menos sisudo, que é o ‘Poema por Demais Explicativo’, tem um semblante austero
em alguns momentos”, explica o poeta e pesquisador Victor Hugo Azevedo.
O autor
O escritor mossoroense Dorian Jorge Freire, em prefácio escrito na re-edição do
livro “Rio do Vento”, escreve sobre o amigo: “Igual a ele nunca mais. Os que o
conheceram de perto ou de longe, beneficiários ou vítimas, sabem disso. O
quanto influenciou a província. Quantas inteligências plasmou. A liderança que
exerceu. Os autores que revelou. As obras que leu e criticou para o seu
público”.
E essa influência marcante que exerceu em grande literários da época era um
traço de sua personalidade forte e exuberante. Foi por isso que, se
considerando “anti-acadêmico demais”, abdicou da advocacia, recusou uma cadeira
na Academia Norte-riograndense de Letras, largou o seminário, e lecionou
português na Escola Estadual do Atheneu Norte-Riograndense de uma forma nada
ortodoxa.
“Meus professores Liacir e Ary Guerra foram seus alunos no Atheneu. Nas aulas
nada ortodoxas contava causos pitorescos e anedotas. Não reprovava alunos e
mandava fazer trabalhos em casa. Numa prova em que o tema da redação era ‘Um
Pingo d`água’, um aluno que apenas escreveu ‘Afoguei-me no pingo d´agua’,
recebeu a nota máxima”, relata o professor e escritor João da Mata Costa no
blog Overmundo.
Também conhecido como "O Terror do Intelectual Medíocre", APM
escreveu duras críticas literárias, mas que renderam ótimas amizades. “Em outra
ocasião, Tarcísio Gurgel comenta em um livro que, durante uma festa ocorrida em
Natal, Antônio Pinto tirou Zila Mamede pra dançar. Zila, nessa época ainda
nova, estava começando a publicar seus poemas. Durante a dança, dizem, ele a
deu alguns conselhos valiosos que, aparentemente, mudaram um pouco a percepção
da jovem. Tanto é que, em uma de suas obras, Zila traz uma dedicatória para o
autor”, aponta o pesquisador Victor Hugo.
“Os relatos são muito contundentes. Sempre destacam, com entusiasmo, sua
inteligência, sua cultura, sua agilidade mental, sua personalidade forte.
Outra característica a ressaltar era sua capacidade, tanto de falar, como
de escrever bem. Era uma personalidade magnética. Penso que deixou um legado de
ousadia e de coerência, como profissional e crítico”, destaca a filha caçula de
seu segundo casamento, Nagel Medeiros.
Durante um tempo foi frequentador assíduo de espaços públicos onde se
encontravam políticos e figuras sociais da época. Tal fato o levou a tomar
gosto pelo cenário político da cidade, quando, em 1954, arriscou uma
candidatura a deputado estadual, pelo PSD/RN, sob o lema “Vote em Antônio Pinto
de Medeiros um que é capaz de discordar”. Entretanto, pelo visto a população
potiguar não creditou muita confiança nele, pois com poucos votos não foi
eleito.
A candidatura falha, contudo, não o fez desistir de influenciar pessoas
próximas a entrar no meio. Filha de seu primeiro casamento, a médica Maria da
Saudade Medeiros Braga chegou a ser prefeita da cidade de Nova Friburgo, no Rio
de Janeiro. Além dela, seu filho e neto de APM, o deputado federal Glauber
Braga (Psol/RJ) também detém um pouco da vontade pela atuação política presente
no avô.
Embora não tenha sido uma influência na literatura a nível nacional, Antônio
Pinto de Medeiros foi uma caricatura presente na vida de grandes autores e
marcante na cultura poética local durante o século XX. Como um expressionista
de seu tempo, o poeta há de ser relembrado e reconhecido nas páginas da
história potiguar.
SONETO À TÔA
A morte ha de vendar-me os
olhos rebelados
E me transformará, com um riso
de mofa,
Numa velha caricatura
boschimana.
Passarei do ser ao não ser e o
encantamento
De outras paisagens vai fazer
de mim
Um confuso turista de outras
vidas.
Plantar-me-eis pobre e nu como
nasci.
E ao primeiro dia voltarei, com
o tempo.
As chuvas serão prodigas e a
terra avara
E sábia não fará brotar a
semente inútil.
Nascerão flores e os ciprestes
vetustos
Hão de cumprir a missão de
matar o tédio
Da imobilidade e do silêncio
atroz,
Embora eu desejasse música para
violinos.
Edição: Isadora Morena
FONTE – BRASIL DE FATO